O sétimo e último Princípio Hermético nos convida a contemplar a dança eterna entre o masculino e o feminino, não como gêneros humanos, mas como polaridades cósmicas que permeiam tudo o que existe. O Princípio do Gênero nos ensina que tudo no universo contém essas duas energias complementares, e que a criação só ocorre pela união delas. Assim como não há flor sem semente e receptáculo, não há manifestação sem a fusão dessas forças.
O que diz o Caibalion?
“O Gênero está em tudo; tudo tem seu princípio masculino e seu princípio feminino; o Gênero manifesta-se em todos os planos da existência.”
Este é o princípio que une e culmina todos os anteriores.
Se o Mentalismo mostra que tudo é mente, a Correspondência que tudo se reflete, a Vibração que tudo se move, a Polaridade que tudo tem seu oposto, o Ritmo que tudo oscila e a Causa e Efeito que tudo tem sua origem, então o Gênero é o princípio gerador que faz nascer.
O Gênero Hermético não se limita ao corpo biológico, nem às definições sociais. Ele é uma lei espiritual e universal. Tudo que vive, vibra com masculino e feminino: Sol e Lua, dia e noite, impulso e receptividade, razão e intuição.
Masculino e Feminino como Arquétipos Universais
No Hermetismo, o princípio masculino representa:
A ideia, a projeção, a atividade, a penetração, o fogo, a luz.
Corresponde ao Yang (no Taoismo), Purusha (no Samkhya hindu), Pai Celestial (em tradições místicas).
Enquanto o princípio feminino representa:
A receptividade, o útero criador, a intuição, a gestação, a água, a sombra fecunda.
Corresponde ao Yin (no Taoismo), Prakriti (no Hinduísmo), Mãe Terra ou Shekinah (na Cabala).
Essas forças não são opostas, mas complementares. E tudo que existe contém ambas, embora nem sempre em equilíbrio. Uma mente muito racional e ativa sem abertura intuitiva adoece.
Uma pessoa extremamente passiva, sem força de ação, também desequilibra-se.
A sabedoria está na fusão harmônica. E essa fusão é o que permite a manifestação da criação em todos os planos.
Gênero nos Planos da Realidade
O Princípio do Gênero atua em todos os níveis:
Físico: na reprodução biológica, nos hormônios, na sexualidade e na dualidade anatômica.
Mental: nas funções do hemisfério esquerdo (racional, linear) e direito (intuitivo, criativo).
Emocional: nos arquétipos que projetamos nas relações e nas buscas afetivas.
Espiritual: na união sagrada entre alma e espírito, na alquimia entre vontade e amor.
Nada pode ser criado apenas com o masculino ou apenas com o feminino. O pensamento (masculino) precisa encontrar um sentimento (feminino) para gerar uma ação criativa. A vontade (masculina) precisa se unir à entrega (feminina) para alcançar a sabedoria.
O Gênero como Mistério da Geração Divina
Na Alquimia, o casamento do Rei e da Rainha é símbolo da conjunção entre os princípios.
No Tantra, a união de Shiva (consciência) com Shakti (energia) gera o êxtase e o despertar.
Na Cabala, a união entre Kether (pai) e Binah (mãe) origina todas as sefirot.
A tradição esotérica sempre viu a união entre o masculino e o feminino como um ato sagrado, gerador de luz. Essa união não precisa ser literal ou sexual, é antes de tudo interior e energética.
O verdadeiro iniciado busca reconciliar dentro de si essas duas naturezas. E quando o faz, torna-se andrógino espiritual, não no sentido físico, mas como ser completo, que pensa e sente, age e acolhe, ousa e intui, cria e contempla.
A Confusão Moderna sobre o Gênero
Vivemos uma época de profunda desconexão com o princípio do Gênero. De um lado, há fixações culturais que confundem masculino com machismo e feminino com fragilidade. De outro, movimentos extremistas tentam dissolver completamente a dualidade natural, criando um vácuo identitário, onde tudo é fluido, mas nada é enraizado.
O Hermetismo não condena a pluralidade das expressões humanas, mas relembra que, além do corpo e do ego, existem princípios universais. Gênero, para o iniciado, não é identidade: é energia. E saber reconhecê-la é uma das chaves da liberdade interior.
A Ciência do Gênero: O Corpo Reflete, Mas Não Limita
Do ponto de vista científico, a presença de hormônios masculinos e femininos em todos os seres humanos já revela que não somos “ou” uma coisa ou outra, mas sim uma composição de polaridades. A testosterona e o estrogênio atuam em conjunto para modular humor, cognição, energia e desejo.
Além disso:
A neurociência tem mostrado que os dois hemisférios do cérebro, esquerdo e direito, correspondem aos princípios masculino (lógico, linear) e feminino (criativo, holístico).
A psicanálise junguiana fala da Anima (princípio feminino no homem) e do Animus (princípio masculino na mulher) como forças internas que precisam ser reconhecidas para que o ser atinja a individuação.
A biologia evolutiva reconhece estratégias complementares nos instintos dos sexos, mas mostra que a cooperação e a diversidade são chaves para a sobrevivência.
Portanto, a ciência moderna começa a se alinhar ao Hermetismo na medida em que reconhece que somos compostos de forças gêmeas e que a maturidade está no equilíbrio, não na exclusão.
Tradições Espirituais e o Gênero como Sagrado
No Taoismo, a harmonia do universo se baseia na dança entre Yin e Yang, o passivo e o ativo, o úmido e o seco, o escuro e o claro.
No Tantra Hindu, a energia da kundalini (feminina) precisa se elevar e encontrar a consciência de Shiva (masculina) no topo da cabeça para que haja iluminação.
No Cristianismo místico, Maria e o Cristo representam arquétipos complementares da criação e da redenção.
Na Cabala, a união entre as sefirot superiores e inferiores cria o equilíbrio do mundo, e o próprio nome de Deus (IHVH) é composto por letras que representam masculino e feminino.
Essas tradições mostram que a energia criadora só se manifesta quando os dois princípios se encontram em amor e respeito. Não há evolução sem reconciliação.
Sexualidade Sagrada: Muito Além do Prazer
O Princípio do Gênero também se manifesta na sexualidade. Mas aqui é preciso cuidado: a sexualidade não é um fim, mas um portal. Quando vivida com consciência, ela se torna um ritual de geração energética, um caminho de elevação espiritual.
Na tradição tântrica e taoista, a união sexual entre um homem e uma mulher não é apenas física, é uma fusão de campos energéticos, que ativa centros sutis e pode levar à iluminação.
Mas mesmo fora do ato sexual, o Gênero atua em todas as formas de criação:
A arte nasce quando uma ideia (masculina) encontra sensibilidade (feminina).
A cura surge quando o impulso (masculino) é acolhido com empatia (feminina).
A sabedoria se manifesta quando o silêncio (feminino) escuta a razão (masculina).
Tudo o que criamos é um filho do Gênero universal.
O Verdadeiro Androginato: A Alma Inteira
O objetivo do caminho hermético não é suprimir o gênero, mas transcendê-lo através da integração. O ser humano pleno é aquele que carrega dentro de si o guerreiro e a sacerdotisa, o pai e a mãe, o pensador e o intuitivo. Essa totalidade é simbolizada pelo Andrógino Divino, presente em diversas tradições:
O Baphomet dos alquimistas.
O Adão Kadmon da Cabala.
O Hieros Gamos (casamento sagrado) do Gnosticismo.
Não se trata de um ser sem gênero, mas de um ser além da dualidade, que soube unificar seus opostos em si mesmo. E por isso, é capaz de gerar luz em todos os planos.
Aplicações Práticas do Princípio do Gênero
1. Equilíbrio emocional:
Observe suas reações. Você se move sempre pelo impulso (masculino) ou se recolhe demais no sentir (feminino)? Busque o meio termo: ação com empatia, decisão com acolhimento.
2. Criatividade expandida:
Toda criação nasce da fusão entre ideia e emoção. Medite antes de criar. Sinta antes de agir. Traga arte para a razão e intuição para o planejamento.
3. Relacionamentos mais conscientes:
Pare de buscar no outro o que falta em você. Relacione-se a partir da completude, e não da carência. Ao reconhecer os dois princípios dentro de si, você atrai relações mais harmônicas.
4. Sexualidade elevada:
Considere o ato sexual como sagrado. Vá além do prazer físico. Explore a respiração conjunta, o toque consciente, o olhar profundo. Faça do encontro um altar.
5. Espiritualidade integral:
Inclua práticas que ativem ambos os polos: orações (masculinas), meditações (femininas); mantras (ação), silêncio (receptividade); estudo (Yang), contemplação (Yin).
O Gênero como Semente da Criação
Em última instância, o Princípio do Gênero nos mostra que o universo é um ventre em gestação contínua. E que dentro de cada ser há um espaço sagrado onde o masculino e o feminino se encontram para gerar novas realidades. Nada nasce sem essa fusão. Nada floresce sem essa dança.
Por isso, reconhecer e honrar os dois princípios em si mesmo é um ato de criação consciente. É tornar-se pai e mãe de si mesmo. É tornar-se co-criador com o Todo.
A Dança do Gênero nas Escrituras Antigas
Diversas tradições espirituais deixaram registros simbólicos do Princípio do Gênero, muitas vezes ocultos sob metáforas. No Gênesis bíblico, por exemplo, lemos que “Deus criou o homem à sua imagem, macho e fêmea os criou”. A referência à imagem divina contendo ambos os princípios é clara, embora muitas vezes ignorada nas leituras dogmáticas.
Na mitologia egípcia, Ísis e Osíris representam a polaridade criadora. Após a morte de Osíris, Ísis, símbolo da sabedoria feminina, reconstrói seu corpo para gerar Hórus, o filho solar. Essa reconstrução representa o poder da energia feminina de regenerar e gerar luz a partir do caos.
No Hinduísmo, Ardhanarishvara é a forma andrógina de Shiva e Shakti, metade homem, metade mulher. Essa imagem mostra, visualmente, que o divino é simultaneamente ativo e receptivo, destruidor e curador, consciência e energia.
Polaridades em Tudo: A Linguagem do Universo
Se observarmos atentamente a natureza, veremos o Princípio do Gênero operando em todos os reinos:
O átomo possui prótons positivos e elétrons negativos em equilíbrio dinâmico.
O sistema solar funciona com o Sol emitindo (masculino) e os planetas recebendo e orbitando (feminino).
As árvores crescem em direção ao céu (Yang), mas suas raízes aprofundam-se na terra (Yin).
O mar se agita (masculino) e repousa (feminino), em ciclos rítmicos.
Até mesmo a linguagem carrega polaridade: há palavras de ação (como “cortar”, “impulsionar”, “atingir”) e palavras de receptividade (como “acolher”, “sentir”, “absorver”). Toda comunicação é, em essência, a expressão de uma fusão entre impulso e forma.
Gênero Espiritual: O Casamento Interior
No caminho iniciático, todo buscador será chamado a realizar um casamento interno. Esse casamento é o símbolo da grande união alquímica entre o masculino e o feminino.
No Tarot, o arcano “Os Enamorados” não fala apenas de relações românticas, mas da necessidade de escolher integrar os dois aspectos da alma.
No Hermetismo, esse processo se dá pela consciência e pela prática. O masculino em nós precisa ouvir, sentir e aceitar o feminino. O feminino em nós precisa confiar, erguer-se e expressar o masculino.
Esse casamento é chamado de Hieros Gamos, a união sagrada. Ele não ocorre por acaso, mas por trabalho interior, feito de silêncio, confrontos, perdão e luz.
Como Honrar o Gênero Hermético na Vida Diária
1. Pratique o silêncio tanto quanto o discurso.
Falar é masculino. Ouvir profundamente é feminino. Alterne.
2. Crie rotinas com flexibilidade.
A disciplina estrutura (masculino), mas a adaptabilidade nutre (feminino). Concilie.
3. Olhe para suas dores com coragem e compaixão.
A coragem é ativa e solar. A compaixão é receptiva e lunar. Use ambas.
4. Medite e aja.
A ação sem reflexão é vazia. A reflexão sem ação é estéril. O sábio sente e faz.
5. Honre a sua ancestralidade.
Dentro de você vivem as histórias do pai e da mãe. Acolher esses arquétipos internos é parte da integração do Gênero.
O Gênero é o Códice da Criação
Tudo o que existe é filho de um impulso e uma receptividade. O pensamento e o sentimento são pai e mãe de toda realidade.
Assim como o artista une inspiração (feminino) com técnica (masculino), e o terapeuta junta escuta (feminino) com intervenção (masculino), todo ser humano está constantemente gestando criações.
Negar o gênero é romper a corrente da criação. Honrá-lo é tornar-se artífice da realidade com consciência.
“A união do masculino e do feminino em nós é a origem de toda cura e sabedoria. O segredo não está em escolher um lado, mas em dançar com os dois.” (Carl Gustav Jung)